Review: Azul é a Cor Mais Quente (HQ)

São grandes as chances de que, ao ouvir falar de Azul é a Cor Mais Quente, surja em suas cabeças o filme que se tornou conhecido porque conta a história de duas “novinhas” que se “pegam fortemente”. Felizmente (ou infelizmente, dependendo do seu caso), a obra original, da francesa Julie Maroh, não tem nada a ver com essa temática — e as doses de “pegação” estão longe de provocar qualquer efeito erótico.

A graphic novel, publicada aqui no Brasil pela Martins Fontes, conta a história de Clémentine, uma garota normal cuja vida muda a partir do momento em que ela conhece Emma — uma jovem mais velha com cabelos pintados de azuis (o que explica o título da obra). Toda a história é narrada a partir dos diários da jovem, cujo destino trágico sabemos desde as primeiras páginas.

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Assumindo o papel de Emma, o leitor é convidado a passar por pontos-chave da vida de Clémentine, que incluem desde sua entrada em um novo colégio até o momento em que ela se percebe diferente de outras garotas. Diferença esta que ela nega em um primeiro momento, tanto por não compreender exatamente o que sente quanto por acreditar que aquilo é algo errado e que não merece ser cultivado.

É justamente a naturalidade como Clémentine lida com seus sentimentos e com sua atração por Clémentine que tornam a obra tão rica. O relacionamento entre as duas jovens é construído de forma natural por Julie, que não deixa de explorar as fragilidades e inseguranças de suas protagonistas, o que a ajuda a torná-las, o que permite nos identificarmos com elas — por mais que nunca tenhamos passado exatamente pelas mesmas experiências vividas pelas personagens.

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Apesar de apresentar algumas cenas de sexo, Azul é a Cor Mais Quente é bem-sucedida em não mostra isso de maneira “gratuita”, exibindo o ato em si como a concretização de um amor que se traduz em um desejo físico. Assim, quem espera se deparar com um quadrinho erótico digno de Milo Manara vai ficar decepcionado ao ver que o sexo é retratado como uma parte comum da vida de um casal e não como um ato performático digno de um filme proibido para menores.

Complementando o roteiro bem-desenvolvido, temos uma arte que é bastante diferente daquela a que nos acostumamos a ver em quadrinhos comerciais. O traço de Julie Maroh é bastante leve, às vezes dando a impressão de que a autora simplesmente desenhou o que lhe vinha à cabeça e pouco se importou com detalhes como arte final. Talvez o ponto que chame mais atenção seja o uso de cores, que surgem somente em momentos-chave para intensificar a dose dramática de uma cena ou para destacar algum elemento (que, na maioria dos casos, é o cabelo azul de Emma).

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Em resumo, Azul é a Cor Mais Quente pode ser resumida como uma obra rica sobre relacionamentos e a maneira como eles transformam aquilo que somos e a maneira como encaramos o mundo. Não se iluda com o fato de a obra lidar especificamente com um casal homossexual: independente de nossas experiências e orientações sexuais, todos temos um pouco de Clémentine e Emma dentro de nós.