Quando trilhas de filme de gibi formaram o meu gosto musical

Existem alguns momentos da formação da personalidade de alguém que exposições a diferentes mídias e gêneros podem fazer diferença a longo prazo. É o caso do gosto musical, por exemplo. Muito do que eu escuto hoje em dia é parecido ou relacionado ao que eu ouvia lá quando tinha meus 13 a 16 anos. Tenho meus desvios e acabo escutando coisas diferentes, mas o padrão mesmo é parecido.

E mais ou menos nessa época, indo um pouco além, até o começo dos meus 20 anos, surgiu um tipo meio específico de músicas de bandas que hoje são conhecidas como “butt rock”. Por que “butt rock”? O nome veio das diversas rádios americanas que tocavam mais nada “but rock” e entregavam bandas cheias de hits que o público adora e lota shows, mas a crítica não gosta muito. Pra virar “butt rock” foi um pulo, até estigmatizando o próprio público. Basicamente, coisa de patife.

Ali, no comecinho dos anos 2000, algumas dessas bandas ficaram populares (minha adolescência ouvindo metal e essas bandas em rádios como a finada 96 Rádio Rock, de Curitiba já me preparava pra isso), e algumas gravadoras, em particular Roadrunner Records e Wind-Up Records, conseguiram se aproximar de estúdios que estavam lançando alguns filmes no cinema.

Sim, era aquela época gostosa que a gente comprava discos com músicas que tocavam nos filmes ou eram mais ou menos inspiradas neles (tinha casos também de canções enfiadas nas trilhas porque sim). Hoje em dia, com algumas exceções, todo mundo saca um Shazam da vida, descobre a música e vai atrás da banda no Spotify.

Mas nos anos 2000, o negócio era comprar a trilha e sobre os discos de alguns filmes, que ajudaram a pavimentar o caminho pra essa folia de filme de gibi que vivemos hoje. Vou falar sobre as GLORIOSAS trilhas de Homem-Aranha, Demolidor, Justiceiro, Homem-Aranha 2 e Quarteto Fantástico. Sim, eu sou ridículo e sim, tô ouvindo Hero enquanto escrevo isso aqui.

Music from and Inspired by Spider-Man

Trilha sonora marvel homem-aranha

Lançada pela Roadrunner Records, a trilha sonora do primeiro filme do Homem-Aranha traz várias das bandas e artistas “do momento” em 2002. Apesar de hoje em dia só se lembrar da música tema do filme (já falo sobre ela), a trilha tem algumas músicas legais, como Learn to Crawl, da banda Black Lab, Somebody Else, de Bleu, Hate to Say I Told You So, do The Hives.

A trilha ainda traz algumas bandas como The Strokes, Alien Ant Farm e Sum 41, além de uma versão meio esquisita do tema do desenho do Homem-Aranha, interpretada pelo Aerosmith. Só que todo mundo se lembra de Hero, escrita pelo Chad Kroeger, do Nickelback, e que tem a participação do vocalista do Saliva, do guitarrista do Theory of a Deadman e do baterista do Pearl Jam. POIS É!

Uma curiosidade: a música All in the Suit That You Wear, do Stone Temple Pilots, era pra ter entrado na trilha, mas quando Hero foi escolhida como carro-chefe, a banda se recusou a participar e lançou a música por fora.

Essa trilha vendeu pra cacete, alcançando o primeiro lugar da lista de trilhas sonoras da Billboard, praticamente fazendo com que o pessoal que tava adaptando filmes da Marvel no começo dos anos 2000 pensasse “É isso. É música assim que combina com filme de gibi hoje em dia”. E aí, em 2003, a Wind Up Records ficou responsável pela trilha de outro filme de gibi (e o butt rock chegou ao ápice como trilha de filme de gibi).

Daredevil: The Album

Daredevil trilha sonora marvel

Em janeiro de 2003, eu fui ao cinema com a minha irmã assistir Senhor dos Anéis: As Duas Torres. Baita filme, eu já tinha comprado aquela trilha do Homem-Aranha, ouvia direto, só alegria. Naquele dia no cinema, no meio dos trailers, surgiu o anúncio de um novo filme baseado em quadrinhos que estrearia em breve. O trailer é esse aí.

Na hora que apareceu o Atrevido abraçado na cruz e Bring Me To Life começou, a vontade de chegar em casa e procurar quem cantava aquela música pra ouvir inteira foi imensa. Quando o filme saiu e a trilha foi lançada, obviamente comprei e ali grita “começo dos anos 2000”.

Sério, eu ouvi tanto esse negócio que poderia falar de todas as músicas, mas vou destacar quatro. Começando com a Bring me To Life, do Evanescence. A música ainda traz aquele gostinho nu metal, com uma participação do maluco do 12 Stones (que também tem outra música na trilha), mas é absolutamente impossível não cantar junto essa desgraça. E mostrando que a Wind Up Records estava apostando na banda, a trilha ainda tem My Immortal, que é usada em uma cena de velório do filme e é aquela música que BATE NO S2.

As outras duas músicas que merecem menção são Right Before Your Eyes, do Hoobastank (HOOBASTANK, MANO!), que toca no momento que o jovem Matt Murdock dá umas piruleta doida porque agora tem poderes, mas ficou cego. Esse é um Hoobastank prestes a lançar The Reason, então eu posso falar que ouvia Hoobastank antes de virar modinha (e voltar a ser conhecido um ano depois).

Já a outra música é tão começo dos anos 2000 que dói: For You, do The Calling. Sim, The Calling, aquela banda que fez muito sucesso no sempre saudoso Disk MTV com Wherever You’ll Go, manda uma baladinha com orquestra e letra claramente inspirada no filme. Sério, que trilha.

The Punisher: The Album

A Wind-Up Records emplacou outra trilha sonora no ano seguinte, com o disco de O Justiceiro, filme com o Thomas Jane e John Travolta. Apesar de trazer algumas bandas bastante similares ao do disco do Demolidor, essa aqui tem Queens of the Stone Age e Damageplan.

Só que a trilha é lembrada mesmo por Broken, do Seether com Amy Lee, do Evanescence. Não tem como ter ficado sem ouvir essa na época.

A trilha ainda tem uma música que toca durante o filme, chamada In Time, numa das cenas mais legais do filme (que é bem qualquer coisa, mas já assisti mais vezes do que me sinto à vontade para falar).

Music from and Inspired by Spider-Man 2

Homem-Aranha 2 é considerado por muitos como um dos melhores filmes de gibi já feitos (realmente é) e a trilha sonora dele conseguiu render, com algumas músicas fazendo sucesso em paradas dos EUA e Europa. Ele deixa um pouco aquela pegada de butt rock e vai mais pros lados de bandas de pop punk, emo e indie da época.

Os destaques ficam com Vindicated, do Dashboard Confessional (que é absolutamente sensacional), We Are, de Ana Johnson, e Gifts and Curses, do Yellowcard (VOCÊ LEMBRA DE YELLOWCARD?).

Essa trilha ainda tem um crime. As versões internacionais do disco trazem bandas locais com músicas baseadas no Homem-Aranha. A versão brasileira teve JOTA QUEST, com uma música que não faz muito sentido e tem uma passagem que mostra que pelo menos assistiram ao desenho dos anos 90 porque rola um “Onde estará Mary Jane?”. De fato, ONDE ESTARÁ MARY JANE?

Fantastic 4: The Album

Em 2005, apesar de os filmes ainda renderem uma grana boa, começaram a apresentar aquela qualidade, como foi o caso de Quarteto Fantástico. O filme é meia boca e a trilha sonora já começa a dar uma capengada, mas ainda é bastante ok. Apesar de não ter uma música que marcou, essa trilha é particularmente especial pra mim por uma patetice.

Nessa época, CD não era muito barato e um amigo achou todas as músicas pra baixar no saudoso Kazaa. Baixamos, o CD virgem foi gravado, mas a gente não tinha percebido algo. A Wind-Up Records colocou um bem bolado no CD que quando ele foi ripado, a cada 15 segundos, rolava uma buzinadinha. Eu ouvi o disco assim por um bom tempo só de birra.

Bônus round: Avengers Assemble (Music from and Inspired by the Motion Picture)

Depois de Quarteto Fantástico, as produções começaram a mudar e tomaram um tom mais sério, dos lados da DC por causa dos filmes do Batman, e a Marvel começou a produzir seus próprios longas, lançando no máximo uma coletânea do AC/DC pra Homem de Ferro 2.

Mas teve mais um disco de trilha que meio que fechou esse caixão, quando o pessoal já tava mais desligado desse tipo de álbum. Pouca gente se lembra, mas o primeiro filme dos Vingadores teve uma segunda trilha sonora, reunindo bandas como Kasabian (na versão internacional), Rise Against, Evanescence e até um Papa Roach maroto.

O que vale mesmo é uma música, Live to Rise, do Soundgarden. É a única que toca no filme (nos créditos, mas tá lá) e merece nota por ser a primeira música nova lançada após a banda ter se reunido, em 2010.

Hoje em dia, filmes de gibi não contam mais com bandas de gosto duvidoso, com clipes cheios de cenas de gente fantasiada sentando a porrada na cara da bandidagem, mas é algo que me traz certa nostalgia. Deve ser uma economia considerável não precisar pagar pelos direitos de músicas pra lançar num disco em uma era que pouca gente compra isso, mas era legal. Agora me dá licença que vou ouvir um The Calling ali sem medo de ser um ridículo.