Review: Robocop

O principal desafio de um remake é encarar as memórias que as pessoas têm da obra original. As comparações são inevitáveis, mas as mudanças também são necessárias. Afinal, se fosse para fazer algo igual, qual a necessidade de se refazer um filme? E, no caso de Robocop, José Padilha mostra que é possível retrabalhar uma ideia apenas atualizando-a, mas sem perder sua essência.

É claro que, para isso, ele teve de passar por vários problemas no caminho. Mas mesmo com as críticas massivas dos fãs ou com a responsabilidade de ser um diretor estrangeiro à frente das refilmagens de um clássico, Padilha não se deixou abater e conseguiu trazer uma ótima releitura do longa de 1987, inserindo alguns elementos próprios e bastante atuais.

E são exatamente essas inserções que fazem com que o novo Robocop seja tão interessante. Há várias novidades em relação ao filme de Paul Verhoeven que certamente fará os fãs xiitas torcerem o nariz, mas que estão ali por uma razão. Isso faz com que o remake não seja melhor ou nem pior que o original, mas apenas diferente. E isso é ótimo.

Pé no chão

A começar pela própria origem do personagem. Novamente, temos a história centrada no policial Alex Murphy (vivido aqui por Joel Kinnaman) que acabando se metendo onde não é chamado nas quebradas de Detroit e, por isso, acaba sofrendo um atentado que quase o mata. Para mantê-lo vivo, sua esposa aceita a proposta da OmniCorp em transformá-lo em um “homem-robô”.

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É claro que essa é uma versão bem resumida da história e, até aí, não temos grandes diferenças em relação ao original. No entanto, basta olhar com um pouco mais de atenção para ver o quanto o novo filme atualiza e aprofunda o conceito do personagem.

A começar pela própria forma como a cidade é retratada. Robocop original é um dos futuros distópicos mais icônicos do cinema e era caracterizado exatamente pela ultraviolência característica de Verhoeven. Tanto que a transformação de Murphy na máquina é originada quando ele se envolve com as gangues locais. No novo filme, contudo, as coisas são um pouco mais pé no chão.

Embora já tenhamos robôs e outros elementos supertecnológicos, a Detroit de José Padilha é muito mais próxima da realidade. Seu problema não é a violência generalizada, mas a corrupção. Detroit é uma cidade podre em todas as suas camadas — como todo grande centro —, e isso influencia a origem do personagem.

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Isso porque Murphy não é o herói que vai limpar essa sujeira, mas uma vítima dela. Ele é alguém que mantém seus ideais em um mundo em que o dinheiro fala muito mais alto e acaba pagando o preço por isso. A cena em que ele pede para ver o que restou de sua humanidade é incrível e, ao mesmo tempo chocante.

Toque pessoal

Só que o novo Robocop vai além de simplesmente atualizar as questões do filme original e traz elementos bem próprios e que dão um novo tempero à história. Isso fica bem claro nas cenas protagonizadas por Pat Novak (Samuel L. Jackson), apresentador de um programa de TV que tenta, a todo custo, convencer a população americana a revogar a lei que proíbe a utilização de robôs na segurança nacional.

A figura de Novak é bem emblemática nesse sentido. Ele é uma caricatura bastante escancarada do pensamento ultraconservador que vemos em vários setores da sociedade, como seu discurso final deixa bem claro. Ele é o toque na ferida, a sátira do americano que quer se fazer ouvir, mas não se importa com quem discorda dele.

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Além disso, o Robocop de Padilha ainda flerta com algumas questões bem interessantes. A principal delas é exatamente a desumanização da violência. Enquanto Verhoeven a deixava exagerada, o brasileiro se aproveita do contexto para trazer a velha discussão do fascismo ao mostrar que soldados e robôs não são tão diferentes quando estão com uma arma na mão.

Isso fica bem claro na cena inicial, quando vemos a ocupação americana no Oriente Médio. Enquanto Novak elogia o trabalho das máquinas na “pacificação” do local, podemos ver claramente o descontentamento e o medo das pessoas diante daquele invasor metalizado.

Diretor versus produtor

Contudo, por mais que essas adições ajudem a justificar a produção do remake, elas acabam não sendo tão fundamentais para o desenvolvimento geral da história. Isso porque o enredo continua centrado no velho debate de Murphy ser um humano ou uma máquina, abusando da velha muleta emocional da relação com a família e do clichê da força do coração. E esse acaba sendo o maior “deslize” deste novo Robocop.

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Que fique claro que isso não é de todo ruim, pois a trama consegue funcionar com essa justificativa. Só que você percebe que há muito mais potencial ali escondido em cenas como as descritas anteriormente, mas elas são deixadas em segundo plano em prol de um formato pasteurizado para agradar o público mediano.

Por mais que Padilha tenha desmentido os rumores de que os produtores estavam limitando seu trabalho de várias maneiras, não é difícil perceber momentos em que foi preciso algum tipo de alteração para se adequar àquilo que eles desejavam. O simples fato de questões políticas e sociais serem apenas pinceladas enquanto o drama básico ocupa quase toda a película deixa isso bem claro.

Fim das contas

Apesar da grande responsabilidade, a estreia de José Padilha em Hollywood não poderia ser mais positiva. Apesar de alguns poucos deslizes, o remake de Robocop consegue empolgar tanto quanto o original e ainda trazer uma atualização que o torna interessante também para a nossa época. É uma refilmagem que se faz necessária e que funciona dessa forma.

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Se você tinha algum tipo de preconceito quanto ao que estava por vir, pode ficar tranquilo e comprar o ingresso. Mais do que um ótimo filme, Robocop é também uma bela homenagem aos fãs da obra de Paul Verhoeven, trazendo várias referências ao velho robô. Acredite: não é uma armadura preta que vai descaracterizar o herói.

E por mais que as comparações sejam inevitáveis, não é justo tentar elencar qual das versões é a melhor. Como dito anteriormente, o novo filme não é melhor que o original, mas também não deixa a desejar. Ele é algo diferente e que, exatamente por isso, merece sua atenção.