O curioso caso dos filmes da DC Comics

Eu acho que é possível dizer, sem questão de fanboyzice tonta e o escambau, que a Warner não faz a menor ideia de como tocar sua divisão de adaptação de quadrinhos para o cinema. Você pode ter gostado de Batman vs Superman (por que você gosta de sofrer?) ou Esquadrão Suicida (eu gostei mais do que esperava desse aqui), mas seja sincero consigo mesmo. Aquilo lá não tá BOM. E não tô comparando com filmes da Marvel. Falo como versões daqueles personagens para essa outra mídia. Tá MUITO abaixo do que eles podem ser no cinema.

Só que sempre rola aquela esperança. “O Zack Snyder aprendeu com o esculacho em cima de Batman vs Superman. A Warner contratou o Geoff Johns pra comandar tudo. O trailer da Liga da Justiça tá legal e Mulher-Maravilha tá parecendo algo realmente interessante”.

Todas essas ideias são bem válidas, mas se você para pra analisar, a Warner ainda tá completamente perdida em relação ao seu “universo expandido da DC”. Pra entender o porque do negócio ainda estar tão bagunçado, é só olhar um pouco pro começo de tudo e, inevitavelmente, comparar com a fórmula da Marvel pra ver como a Warner tá vacilando a cada oportunidade de arrumar a casa.

Um começo manco

Em 2008, a Marvel, ainda sem ser propriedade da Disney, fez uma aposta. Através de um acordo com a Paramount (e de leve com a Universal, que detinha os direitos do Hulk), produziu dois filmes: Homem de Ferro e O Incrível Hulk. Eles falaram que tudo estava meio conectado, mas, ao assistir boa parte dos filmes, você não percebia aquilo. A Marvel tinha criado um jeito maroto de se assegurar que caso os filmes não “pegassem”, a ligação entre eles seria tão pequena que não faria diferença.

Só que Homem de Ferro funcionou e a Marvel resolveu mandar um all in, colocando aquela cena do Nick Fury depois dos créditos (e depois encaixando uma com o Tony Stark no final do filme do Hulk). Ali, a Marvel revelou o seu plano, de produzir um longa do Thor, outro do Capitão América e juntar tudo em um filme dos Vingadores.

Só que o plano de ter uma equipe de super-heróis no cinema não era bem inédito, já que em 2007, a Warner já tinha começado a mexer seus pauzinhos. Foi nesse ano que o estúdio anunciou, DO NADA, Justice League Mortal, filme que reuniria Superman, Mulher-Maravilha, Batman e toda aquela galera em uma aventura dirigida por George Miller, diretor de Mad Max.

Cenários foram construídos na Austrália, local onde o filme seria filmado. O elenco foi escolhido, atores entraram em um treinamento pesado para viver os ícones dos quadrinhos no cinema. Só que a Warner tinha um problema.

Megan Gale como Mulher-Maravilha em Justice League: Mortal (Reprodução/JoBlo)
Megan Gale como Mulher-Maravilha em Justice League: Mortal (Reprodução/JoBlo)

Ao mesmo tempo, Christopher Nolan estava no meio da sua trilogia The Dark Knight. Nessa altura do campeonato, ele tava no meio da produção de Batman: O Cavaleiro das Trevas e já deixando bem claro que não existiam outros super-heróis dentro daquele universo. A Warner tomou isso como uma chance de fazer esse filme da Liga da Justiça e, se tudo desse certo, produzir filmes baseados nas versões dos personagens que participaram dele.

Isso significa que, caso tivesse sido produzido, teríamos duas versões do Batman no cinema ao mesmo tempo, com Superman, Mulher-Maravilha, Lanterna Verde, Flash e Aquaman ganhando filmes sem ligação alguma com o Homem Morcego estrelado pelo Christian Bale. Uma zona. Só que foi uma zona que acabou morrendo na praia, já que a greve de roteiristas de Hollywood, que empacou uma porrada de produções, atrasou Liga da Justiça. Esse atraso inflou o orçamento do filme e ele acabou sendo cancelado pelo estúdio em 2008, mesmo ano que a Marvel deu seus primeiros passos com um universo compartilhado.

O mundo enlouqueceu com a ideia de filmes interligados que culminariam em um longa com todos os heróis da Marvel, apesar de não ser uma ideia inovadora (basta olhar pra filmes do Kevin Smith, por exemplo, para conhecer o View Askewniverse). A Warner tinha perdido o pontapé inicial, mas ela tentou mais uma vez.

Quando ficou claro que Christopher Nolan não arregaria e seu Batman não faria parte de nenhum filme com outros super-heróis, a Warner resolveu mais uma vez começar tudo com outro, talvez pra não irritar o diretor que tinha dado The Dark Knight pra eles.

Por isso, em 2011, a Warner tentou um novo início de universo cinematográfico da DC com Lanterna Verde. Ele trazia, bem levemente, pequenas dicas de que existia algo além dele. Era a chance da Warner tentar a sorte nessa brincadeira de universo estendido. Só que o filme foi uma bomba de crítica e público, que rejeitaram aquela versão do herói.

Pois é (Foto: Divulgação/Warner)
Pois é (Foto: Divulgação/Warner)

O estúdio se viu novamente perdido, com a segunda tentativa de universo estendido em menos de dez anos ir pro vinagre. Aí veio o momento do “vai ou racha”.

Tudo nas mãos de um visionário

A Marvel tava embalada com seus Vingadores, em 2012, quando a Warner começou a produção de Homem de Aço, uma nova versão do Superman para os cinemas, dessa vez dirigido pelo “visionário” Zack Snyder. Até aqui, o Snyder tinha conseguido fazer algumas coisas interessantes com a sua carreira.

Seja começando com um remake justo de Madrugada dos Mortos, passando por uma adaptação bem divertida de 300 e a adaptação corajosa, ainda que equivocada em alguns momentos, do “infilmável” Watchmen, o Snyder parecia ser um diretor com visão para “momentos”, mas que se perdia um pouco quando o assunto era história.

Isso ficou bem claro com Sucker Punch, um filme que parece mais o sonho molhado de um adolescente do que qualquer outra coisa (“SABE O QUE SERIA LEGAL? GOSTOSAS COM SAINHAS, LUTANDO CONTRA SAMURAIS! E VAI TER UM SAMURAI GIGANTE COM UMA GATLING GUN! E ZUMBIS! NA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL! TAMBÉM VAI TER ROBÔS E UM DRAGÃO! VAI SER LOUCO!”). O filme é cheio de momentos e cenas que, fora do contexto geral, realmente parecem interessantes. O problema é que nada ali se conecta direito e o filme acaba sendo bem porco como um todo.

Ele também fez uma animação com umas corujas que pouca gente viu, então esse parecia ser o seu único grande “fiasco”.

Quando Homem de Aço chegou aos cinemas, 2013, o público acabou dividido, assim como a crítica. É um filme, como todos do Snyder, com grandes momentos (a cena do Superman “aprendendo” a voar é realmente incrível e a pancadaria do final, caso você esqueça que uma cidade tá sendo nivelada no processo, é impressionante), mas que traz algumas complicadas pro personagem. Seja a Lois descobrindo que o Clark é o Kal-El em uma semana e pouca ou o Superman não sendo muito heroico, mostrou um tom mais “pé no chão” e “dark” do herói.

O fato de ter o Christopher Nolan como produtor executivo meio que virou desculpa de muita gente ali, que diz que essa pegada veio dele, mas hoje dá pra pensar que ele tava ali só pra pegar o cheque e dar certo prestígio pra produção, já que ele não queria mais saber de hominho de capa.

Mesmo com todos os seus defeitos, Homem de Aço não foi massacrado e poderia servir como o pontapé do universo da DC nos cinemas. Isso foi confirmado logo em seguida, na Comic-Com, quando a Warner anunciou a sua sequência e, de um jeito que, devo confessar, foi bem legal, revelou que traria o Batman.

O fato de ter usado uma fala de The Dark Knight Returns, história de um Batman velho que dá um cacete no Superman, deixou todo mundo empolgado. Só que já deveria ter rolado uma luz vermelha de alerta, pois é um Superman em início de carreira e que não conhecia esse Batman. Começar com eles saindo na mão, em vez de trazer o peso de um relacionamento de anos, poderia “dar ruim”.

Só que todo mundo queria acreditar. Mesmo com o anúncio do Ben Affleck como Batman, a galera desistiu. Quando a Warner revelou que a Mulher-Maravilha também estaria no filme, que em vem de Homem de Aço 2 se chamaria “Batman vs Superman: A Origem da Justiça”, o olho de geral cresceu.

O filme serviria como plataforma para o universo e, eventualmente, o filme da Liga da Justiça. Parecia um pouco complicado, mas dava pra fazer, se o plano inicial realmente era esse. Só que isso pode ser questionado, já que o filme, que estrearia julho de 2015, acabou sendo adiado para a primeira metade de 2016. Alguma coisa mudou pra adiarem um filme desse tamanho em quase um ano.

E essa mudança foi confirmada em outubro de 2014, quando a Warner anunciou, através de uma chamada para investidores e acionistas do estúdio, dez filmes, incluindo BvS. Ali ficou claro que a ideia era apresentar geral em Batman vs Superman, fazer todo mundo lutar junto em Liga da Justiça e depois ganhar filmes solo. Mais ou menos o plano lá de 2007 com Liga da Justiça Mortal.

Não era um plano ruim e diria que por ser diferente do usado pela Marvel, ganhava pontos pela coragem de já gastar a carta “Liga da Justiça” logo de cara. Essa confiança foi reforçada pelos trailers de BvS, que vendiam algo realmente legal. Aí o filme saiu.

O DCEU e o Exército de Santa Martha

Todo mundo foi assistir Batman vs Superman na esperança de ver um filme legal. Batman vs Superman não é um filme legal. Ele tem uma ou outra qualidade, mas é um longa que se perde facilmente, é mal editado, escuro pra cacete, o Superman continua um palerma e, depois de meio mundo ter reclamado, tem no Batman do Ben Affleck um dos seus pontos positivos.

O filme obviamente fez dinheiro e se pagou, mas não chegou perto do lucro que a Warner esperava do primeiro encontro de Superman, Batman e Mulher-Maravilha no cinema. Aliado a isso, boa parte da crítica malhou o filme, que logo antes de chegar aos cinemas, teve uma “versão Ultimate” anunciada, algo que nunca é um bom sinal.

Calma, cara (Divulgação/Warner)
Calma, cara (Divulgação/Warner)

Obviamente, alguns fãs da DC que acham que rola perseguição, começaram com a choradeira. Ataques a quem criticava o filme, acusações de “A Disney tá pagando todo mundo pra falar mal de Batman vs Superman”, deixando bem claro que esse pessoal passa fome no inverno porque a grama fica marrom. O problema que essa galera acabou por manchar quem gosta da editora, pode até ter gostado dos filmes, mas aceita que ok, talvez poderia ter sido melhor.

E essa coisa de “Tá tudo bem, estamos sendo perseguidos e nada precisa mudar”, seguiu por um tempo até mesmo com a Warner.

O fato de Esquadrão Suicida ter tido uma produção problemática, algo apontado por alguns jornalistas, parece que serviu pra essa galera, que parece se ofende mais se você falar que o Zack Snyder fez algo errado do que se você cuspisse na cara da mãe deles (talvez se preocupem se ela se chamar Martha), reforçar essa teoria de conspiração.

Ambos os filmes se pagaram, mas nenhum foi considerado bom pela maioria do público. Alguma coisa de errada estava acontecendo. Tanto é que durante as filmagens de Liga da Justiça, jornalistas que criticaram BvS foram convidados a visitar o set para que vissem que mudanças estão sendo feitas e que o estúdio estava ouvindo todo mundo.

Geoff Johns assumiu o papel de cabeça do DCEU e tudo parecia entrar nos eixos. Só que aí Esquadrão Suicida fez um pouco mais de sucesso e a Warner já inventou de anunciar dois spin-offs, um com a Harley Quinn, chamado Gotham City Sirens, que deve incluir Poison Ivy e Mulher Gato, e outro do Pistoleiro, porque o Will Smith precisa de mais dinheiro na conta. Gotham City Sirens que deve ser dirigido por David Ayer, diretor de Esquadrão Suicida e que deixou bem claro, durante a divulgação do filme, que teve problemas com o estúdio e foi bobo alegre falando “Fuck Marvel” em toda oportunidade possível, só pra ter meio mundo respondendo com “Teu filme não é grande coisa, amigão”.

Junte isso ao fato de o filme do Flash, que ainda tem estreia prevista para 2018, não ter começado a sua produção pelo simples fato de que nenhum diretor fica no projeto por “diferenças criativas”.

A cereja no topo do bolo vem na forma da declaração do Ben Affleck que, ao ser questionado sobre o filme solo do Batman, que deve dirigir e escrever, que não existe um roteiro satisfatório para o filme e que, se isso não acontecer, não fará o negócio.

Seguindo tão reto e confiante quando uma galinha sem cabeça

Toda essa história para basicamente falar que a Warner não faz ideia de como tocar sua divisão de filmes de quadrinhos. Você pode pensar que existe um grande plano por trás de tudo, que o envolvimento do Geoff Johns, alguém que tem conhecimento do meio, no lugar do Zack Snyder vai tudo melhorar, mas esse anúncio de spin-offs de Esquadrão Suicida entre os filmes já anunciados, o longa do Batman nesse esquema de “Nem sei se vou fazer isso aí” e do Flash, com estreia pro ano que vem e sem nem um diretor, não traz nenhuma confiança.

Na comparação entre empresas, esqueça aquela coisa de “os filmes da DC são mais sombrios e sérios, enquanto Marvel é colorida e tem piadinha”. A diferença tá que uma empresa tem um plano e segue ele, enquanto a outra fez tudo num guardanapo e tá colando uns post-its em cima.

A ideia de um universo cinematográfico coeso só funciona se você segue um plano, que cada elemento se encaixa em um todo, e não apenas enfiar todo mundo em um filme e “Eles vivem no mesmo mundo”.

Não sei até que ponto aquela política da Warner de “somos um universo movido à criatividade de diretores” funciona pra um negócio desse tipo. Filmes são anunciados porque acionistas acham interessante ter um filme do Batman naquele ano, não porque alguém sentou e falou “Essa história precisa ser contada e vai ser assim”. Dinheiro realmente move tudo, assim como acontece na Disney, mas lá parece que eles faturando trabalhando do jeito certo, e não só gastando personagem pra ganhar uma grana.

Realmente espero que esse filme seja bom (Divulgação/Warner)
Realmente espero que esse filme seja bom (Divulgação/Warner)

Eu tenho um histórico de me desesperar demais e as coisas mudarem pra melhor em seguida. Foi assim quando eu escrevi sobre o Marvel Studios e a saída do Edgar Wright da produção de Homem-Formiga. Tudo se acertou, ele tá fazendo filme daora e o estúdio tá mandando bem e faturando alto.

Eu torço MUITO para que a Warner tenha no filme da Mulher-Maravilha e da Liga da Justiça os longas que todo mundo espera desses personagens. Todo mundo quer  um filme legal do Superman, do Flash, Mulher-Maravilha e Batman, assim como  querem do Homem-Aranha, Capitã Marvel e Pantera Negra. O problema é que somente um lado tem passado confiança.